Geraldinos
Fui geraldino. Ficávamos de pé, mas víamos a todos de perto, do craque ao perna-de-pau. Pegávamos chuva e sol, mas tínhamos a chance de vibrar com os nossos ídolos, correndo em direção a eles, fosse para comemorar ou para xingar.
Na geral eu gostava de ficar na direção da bandeira de escanteio. Sempre acompanhando o ataque. Quando havia perspectiva de goleada, costumava buscar uma posição atrás do gol adversário. Quem queria ver o outro lado do campo?
Frequentei a geral e afirmo: em nenhum outro setor de um estádio se comemorava gol como ali, onde o torcedor corria feito louco. Para qualquer lado ou ao encontro do artilheiro, ficando a metros do autor do gol, celebrando juntos.
Era dura a vida de geraldino nas noites chuvosas, quando partia para o velho Maraca equipado com meu guarda-chuva. De positivo, a visão mais livre do campo, pois nem todos se aventuravam por ali sob o aguaceiro.
Era desconfortável, mas divertido. Cansativo quando lotava, mas valia a pena. A geral nos permitia estar no Maracanã. Fosse estudante com grana curta, assalariado de orçamento apertado, ou desempregado. Todos tínhamos a chance de ir ao futebol.
Adeptos dos estádios encadeirados detestam a ideia. Mas se a geral até hoje existisse, eles não precisariam ir para lá. O Maracanã contemplava todas as classes sociais. De camarotes e cadeiras especiais, onde ficavam os mais abastados, às azuis.
E passando por sua giganteca arquibancada (chegava a receber 110 mil pessoas). O estádio era o maior e mais democrático do mundo.
Mas era na geral que o povo tinha vez. Assiduamente, com ingresso acessível numa construção dos anos 1940 e muito mais receptiva do que qualquer "arena" atual.
A geral tinha vida própria e ali reinaram alguns dos mais divertidos e autênticos personagens da torcida carioca e brasileira. Foram 55 anos entre 1950 e 2005, quase seis décadas com tantas histórias de amor pelo futebol.
"Geraldinos", filme ganhador do Festival Tiradentes, estréia nesta quinta, dia 28 de abril. O documentário nos devolve alguns de seus folclóricos torcedores e questiona a elitização com a transformação do templo em "New Maracanan".
Romário e Zico centenas de vezes comemoraram seus gols com os geraldinos. Eles estão entre os que deram seus depoimentos à obra dirigida por Pedro Asbeg e Renato Martins, também exibida em festivais na Itália, Espanha e Alemanha.
Vá, assista, se emocione, vibre. Só não será possível sair correndo comemorando no cinema. Aquilo era algo único. Só na geral mesmo.
Fonte: Mauro Cezar Pereira, blogueiro do ESPN.com.br
Geraldinos
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